Quando eu era criança passava as férias de verão na casa de praia dos meus avós.
Perto de lá havia uma casa amarela, de madeira, sempre com a grama bem
verdinha em volta; A casa tinha uma varanda de vidro e dava pra ver do lado de
fora que, por dentro, era tudo muito rústico e arrumadinho. O quintal era amplo
e tinha até rede para jogo de vôlei.
Sempre
que passava por ela, eu ficava imaginando como seria bom o dia que eu tivesse
dinheiro para comprá-la, e isso me motivava a estudar mais, brincar mais. Eu
sabia que se me esforçasse bastante eu conseguiria e ia ter momentos muito
felizes lá. Repetia esse ritual por muitos verões, passava em frente, sonhava
acordada, abria um sorriso e tinha a certeza que iria cuidar bem daquele
pedacinho de mundo.
Pouco
mais de um ano, devido a fortes chuvas, um poste caiu em cima da casa, o
curto-circuito provocou um grande incêndio que a fez desabar. Não sobrou
nenhuma das tábuas amarelinhas pra que eu pudesse guardar de recordação. A
construção agora dará lugar a uma nova casa, ou um prédio ou até mesmo uma
vendinha de doces... Quem sabe? A placa do terreno marcado pelo fogo só
diz "vende-se", junto ou número de telefone do dono. Não me deram
nenhuma satisfação do que poderá surgir no "meu" cantinho. Isso me
agoniou tanto. Ahhh como essa incerteza atormenta.
A casinha
deixou um vazio no meu peito e por um tempo eu fiquei procurando motivação pra
continuar. Mas agora que não tem mais a casinha, para quê juntarei dinheiro?
Para quê trabalharei bastante e juntarei o dinheiro se ela não está mais
lá? Eu, que tanto gostava de me imaginar morando lá, agora terei
que procurar outra casinha pra sonhar? Ou construo uma nova casa? Mas e as
lembranças que não serão iguais. -Ah, deixa isso pra lá, vou pensar em
outra coisa, outro terreno, outra casa... Será?
-Não
dá, não! Eu quero aquela casa! Igual! Não quero outra!
Eu
ainda passava lá e ficava de vigia, cuidando do terreno, imaginando a casa de
volta e tempo depois me ajuizava do quão boba era por ficar pensando e naquilo.
Porque
insistimos em fazer isso? Zelar, vigiar aquilo que "não é mais
nosso"? Assim como o terreno e como a casinha amarela, são as nossas
relações, é a nossa vida! Somos tão fiéis ás memórias, ás boas recordações, ao
que "acreditamos" ser o motivo do nosso acordar matinal, que não
abrimos o coração para as novas possibilidades.
Que
saudável era quando eu fuxicava com os vizinhos da casa de praia pra saber o
que construirão naquele terreno? E se me dissessem que será construído um
prédio na cor roxa? Sempre detestei a cor roxa e mais ainda a
possibilidade de um prédio naquela praia. Qual o sentido de me torturar com
isso? Mas e você? Que saudável é você perguntar a um colega como anda o
relacionamento interpessoal naquela empresa que você foi demitido depois de
brigar com alguém? Vai te fazer bem saber que a noiva do seu primeiro namorado
estava linda na formatura de Direito e que nesse dia ela deu a notícia que eles estavam esperando o primeiro filho?
Isso é tortura desnecessária. Superar é preciso, e pra isso
é preciso desatar amarras com o passado.
Desejar
o melhor às pessoas que entram e saem da nossa vida é o mínimo que se espera de
nós, seres humanos. Mas o ego nos fere, o orgulho... E é nessa hora que temos
que nos frear, parar de depositar emoções em relações falidas, em objetivos inalcançáveis.
Saber a hora de abrir o coração para novas possibilidades é mais umas das chaves para a
felicidade.
Trace novas metas,
concentre-se no seu novo trabalho, no seu novo amor, na nova casa ou pelo menos
lute para obter toda essa novidade boa.
Quem
nunca teve uma casinha amarela que pegou fogo e desestabilizou estruturas,
modificou sonhos?
Dá
um medo só de imaginar alguém fazendo a nossa função no trabalho, na nossa
rotina. Dá um medo gigante só de imaginar que alguém possa "roubar' nosso
lugar na vida "daquela pessoa". Dá um medo de mudar os planos,
desviar o foco, eu sei!
O
tempo entre a mudança de plano, a desestruturação do ideal, a aceitação e a
percepção da melhora é looooooooooongo, doloroso... Mas temos que acreditar!
Crescemos rodeados de exemplificações que mostram incansavelmente uma mudança, quase sempre, benéfica. No mínimo nos trará experiência. É só observar com
atenção.
Quer
um exemplo?
Lembra
de quando andávamos de bicicleta com rodinhas? Era seguro, prático, não tinha
risco de cair. Pra quê tirá-las? Pra quê sair do certo, do confortável? O
choro, o medo... Nossos pais nos impuseram essa "dureza" porque já
sabiam que seria o melhor pra nós, a gente só acreditou quando viu o
resultado. Aprendeu a pedalar sem as rodinhas.
E
que sensação, eim? Liberdade, movimento, velocidade....
Quem
sabe o destino não é como nossos pais? Tirando algo da gente para que tenhamos
algo muito melhor, que faça a gente mais feliz.
É
assustadora a possibilidade do novo, do incerto. Medo de que algo seja
construído sobre as nossas recordações, sobre o que sonhamos, planejamos, sem
que estejamos mais presentes. Mas acredite, é mais assustador depositar
energia, expectativa, tempo, amor em algo que não vai dar retorno, projetos que
não se realizarão. Viver na inércia não é viver, é apenas existir!
Que
tal tentar algo diferente... Vamos abrir a cabeça e o coração para as novas
possibilidades?
Obs:
Estou de olho em um apartamento no centro da cidade, é um prédio que aceita
animais e eu sempre tive vontade de ter cachorro mesmo. Dizem também que o bistrô que tem ao
lado dele é maravilhoso. Quero conhecer 💖